domingo, 28 de fevereiro de 2010

Lições de um pai

Meu pai morreu.
Nossa relação por toda a vida não foi a melhor, porém no final sua doença nos uniu e passei a cuidar dele. Levei nos médicos, dormi em hospital, comprei remédios, dei banho e troquei fralda. Enfim, tudo o que não precisei fazer para a minha mãe, que morreu como um anjo dormindo.
Nossa vida sempre foi complexa, meu pai saiu de casa quando eu tinha dois anos, largou a mim e minha mãe numa cidade nova, onde não conhecíamos nada. Mas minha mãe, orgulhosa como só, não quis retornar para o interior. Ficamos na cidade grande, aos poucos fomos desbravando os bairros vizinhos e conhecendo a cidade. Aprendemos a viver neste mundo agitado e cão. Minha mãe costurava, tirava da máquina o sustento da família. A noite, depois que me punha para dormir, sentava e estudava, precisava entender um pouco mais da vida, não podia ser passada pra trás tinha um filho pra cuidar e o faria muito bem.
Meu pai aparecia uma vez ou outra, me pegava em casa e me levava para o apartamento que ele morava. A cada dois anos ele trocava de apartamento. Comprava, reformava, morava por um tempo depois reclamava de tudo e vendia. Era sempre assim, vendia e comprava outro. Assim também eram com os carros. Cada vez aparecia com um carro diferente, sempre grande e bonito. Eu não entendia aquelas mundaças, aquele luxo e principalmente, por que ele não podia me ajudar, eu e minha mãe não estávamos bem, tinha dia que não tínhamos dinheiro pra comprar carne e comíamos arroz e salada. Feijão nunca tinha em casa, minha mãe falava que o feijão daqui não era bom. Bom era o feijão do interior, mulatinho, um feijão marrom com um tom avermelhado. Ela dizia que o feijão de lá cozinhava melhor.
Eu não entendia, e não teve como entender.
O tempo passou, cresci, me formei engenheiro e fui trabalhar numa grande corporação.  Me casei com a Manuela, pele clara, cabelos castanhos e cacheados, olhos grandes e atentos, mulher pequena, filha de espanhóis, reservada e absolutamente dedicada e carinhosa. A mulher que eu tinha pedi aos céus. Muitas vezes ficava olhando ela e minha mãe conversarem, parecia que eram mãe e filha, chegava a ter uma ponta de ciúmes, mas logo deixava de lado, afinal o que eu queria, uma guerra entre as mulheres da minha vida? Não, claro que não, nossa família estava formada, em breve pensaríamos em ter um filho.
Na empresa o meu salário era bom e fui galgando promoções, a cada 2 anos eu mudava de cargo e assumia mais responsabilidades. Tinha chegado o momento de dar conforto para minha família. Comprei um apartamento,  grande e bonito como era o sonho da minha mãe. O apartamento tinha 3 grandes quartos, dois salões e uma cozinha ampla como a da casa dos meus avós no interior. Minha mãe foi morar junto e pouco tempo depois Manuela nos deu um filho, Henrique. Depois vieram mais dois; Guilherme e Mariana.
Isso foi há quatro anos. Há dois anos meu pai ficou doente e, como filho único, tive que assumir esta responsabilidade. Foi uma complicação, contratei enfermeira, mas tinha que ficar ao lado dele. Não podia colocar ele morando no mesmo apartamento que minha mãe, por isso ficamos no apartamento dele e passei a dormir algumas noites por lá.  Numa dessas noites o telefone toca muito cedo, ainda madrugada, é Manuela dizendo que minha mãe sentiu dores no corpo a noite, conversaram um pouco mas logo ela voltou a dormir, mas ela não despertou do sono. Fui correndo pra casa. Foi um período complicado, difícil a adaptação da vida sem a minha mãe por perto. Mas tinha que seguir, meu pai continuava doente e eu precisava dar atenção a ele. Trazer ele para a nossa casa era o ideal, mas não sabia se ele agüentaria a mudança, sua saúde estava bem frágil, por isso decidi que ficaríamos como antes. Durou mais alguns meses, e ele faleceu. Difícil falar sobre este momento, me cobrei um sofrimento, uma saudade. Mas como sentir a morte de uma pessoa que não foi presente na minha vida e que apareceu no final precisando de ajuda? Senti, sim, mas uma sensação leve, como se um vizinho a quem se respeita tivesse partido. Mas ele não era meu vizinho, era o pai que nunca esteve presente.
Para amenizar sua ausência, ele me fez uma surpresa. Deixou um testamento transferindo todos os seus bens imediatamente para mim, indicava contas bancárias, imóveis desconhecidos, tudo ali, um dinheiro que eu nunca imaginei receber. Junto vinha uma carta, agradecendo a minha dedicação e pedindo desculpa por não ter sido o pai ideal. Pedia que eu não cometesse os mesmos erros que ele, que não perdesse um minuto da vida de meus filhos e família.
E foi assim, que ganhei e perdi um pai, em pouco mais de dois anos.
  por Roseana Franco

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